João Batista e o deserto – Parte 2

O precursor e a pregação

Historicamente

“A lei e os profetas duraram até João; desde então é anunciado o reino de Deus, e todo o homem emprega força para entrar nele.” Lucas 16:16

Uma coisa precisa ser entendida, e muito bem entendida no início dos estudos do evangelho: o trabalho de Jesus aqui no planeta foi iniciado por João Batista. Por isso, ele é chamado o precursor. Foi ele quem preparou as bases do trabalho de Jesus.

Filho de Zacarias, sacerdote judeu, e de Isabel, membro do mesmo grupo familiar de Maria, a mãe de Jesus, nasceu em uma pequena aldeia conhecida naquela época como cidade de Judá, a seis quilômetros a oeste de Jerusalém. Sua proximidade com o Mestre é significante, pois eram primos. Antes do seu nascimento, sua mãe recebeu a visita espiritual de um mensageiro divino, o mesmo que pouco depois também se apresentaria a Maria.

 Naqueles dias

“1E, naqueles dias, apareceu João Batista pregando no deserto da Judéia, 2E dizendo: arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus. Porque este é o anunciado pelo profeta Isaías, que disse: Vós do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitais as suas veredas.” Mateus 3:1-2

Preste atenção nos versículos acima. Você já reparou quando alguém vai contar alguma coisa e começa dizendo “naquele tempo” ou “naquela época”? Ao usar essas expressões, faz-se referência a um momento ou época que antecedeu alguma coisa. É o que acontece nessa passagem. O advérbio de tempo (“naqueles dias”) não se refere a qualquer momento, mas a um específico. Trata-se de uma circunstância de tempo que denota anterioridade, que antecede algo, mais especificamente um estado de mudança.

A princípio, o que nos interessa é saber: João Batista passou? Ficou lá atrás na história? Se não, onde é que ele está hoje?

Historicamente falando, nós estamos dando tchau para ele. Espiritualmente, acho que nem é preciso pensar muito para concluir que ele está, ou melhor, que ele aparece dentro de nós em plena atualidade. Para ser mais preciso, por ser dinâmico ele não vai sair da nossa personalidade nunca. Vez por outra surge e se mostra personificado em todo indivíduo que quer se erguer, que sente que precisa mudar, que inicia uma luta com as imperfeições do seu próprio mundo interior a fim de estabelecer em si mesmo um santuário de realização com o Cristo.

Em outras palavras, é ele quem chega para preparar ou anunciar um novo momento, um novo estado de vida.

Sendo assim, o “naqueles dias”, trazidos para os nossos dias, representa aquele chamado em que nos convocamos a um processo de mudança para melhorar os nossos resultados.

Não é assim que acontece com todos nós? Não é assim que começamos a mudar? A pessoa pensa: “Nossa, eu estou aqui analisando. Preciso dar um jeito e fazer alguma coisa. Preciso mudar isso, preciso mudar aquilo, tenho que aproveitar melhor o meu tempo, utilizar melhor o meu conhecimento. Preciso de mais disciplina e determinação.” O início se dá pela consciência convocando para a realização da reforma íntima.

Transição

O evangelho, do primeiro ao último versículo, trata de quê? De amor, certo? Tanto que Moisés trouxe a expressão da justiça e Jesus, ampliando essa faixa, trabalha em nós a capacidade de doação, porque amor é só aquilo que sai. Justiça e amor são dois estados distintos, embora veremos à frente que este é o aperfeiçoamento daquela.

E o que aprendemos na física? Que não se passa de um estado para outro sem passar por um ponto ou período de transição. E João Batista é essa intermediação, consiste naquele momento de transição para uma vida que objetiva ser melhor.

Visitando a nossa intimidade, quem sabe hoje (porque ele aparece), é o personagem que faz com que deixemos uma vida estruturada nos parâmetros egoísticos para nos apontar o caminho adiante. Representa a transitoriedade que antecede a expressão crística em nós. Apontando a chegada de Jesus, convida-nos a descobrir que além da justiça vigora o amor.

Pregação

O precursor vem propor um estado de mudança. Por isso ele vem pregar. Está dando para acompanhar? João Batista prega, não realiza nada. Quem realiza é o Cristo que vem após ele. E dizemos isso sem querer menosprezá-lo, porque ele é importante demais. Mas apenas prega e batiza, nada mais (falaremos sobre o batismo adiante).

E o que significa pregar? Pregação é chamamento, convite para que implantemos um sistema novo de comportamento com vistas a sentir Jesus no coração, pois toda pregação tem o sentido de despertar, atrair o interesse de quantos estejam predispostos a ouvir. Vamos encontrá-lo dentro de nós na gloriosa tarefa de preparar o caminho à verdade.

Ele prepara o caminho para a mensagem de libertação. Seu aparecimento define uma posição em que a nossa visão está nítida. Definindo o ápice das linhas informativas que atendem os nossos anseios, aparece e trabalha o campo mental da individualidade.

Desprende o ser de Moisés e se identifica com o amor. Todavia, se a criatura bobear, se não souber aproveitar a oportunidade, ela não dá o passo seguinte e volta a repetir experiências difíceis para aprender pela dor o que não fez de forma espontânea.

Vós do que clama

João Batista nos elege precursores de uma luta íntima em que somos convocados a um trabalho inadiável e intransferível de reeducação. Ainda hoje, continua pregando no deserto das almas.

E diante de situações nem sempre felizes pelas quais passamos, nem sempre a sua voz é doce e suave. Muitas vezes é forte e imperiosa, afinal quem se encontra num mar de rosas não busca mudança.

Assim, em muitas ocasiões chega a ser um grito íntimo, um clamor. Só que sem gritaria. Essa pregação é a voz que se exterioriza de forma inaudível. É uma voz muda, só a gente ouve. Fica restrita à nossa consciência como um sinal inconfundível do que se passa dentro de nós. E por não poder ser decodificada com o ouvido, quem se aproxima e nos vê não a escuta, senão com o seu coração.

É um clamor, um grito consciencial de reformulação. O íntimo clama porque se identifica numa situação nada fácil. Basta lembrar que passar de uma vida alicerçada na justiça (feição de querer receber) para uma vida embasada no amor (sistemática de dar) é um dos maiores desafios que visitam todas as criaturas em todos os tempos.

E o objetivo não é outro, senão fazer com que adotemos atitudes firmes para a entrada em novas posições.

Depois de passar por certas experiências ou ser visitados por novos valores, nós chegamos a pensar: “Nossa, eu preciso tomar uma atitude. Preciso fazer isso, preciso fazer aquilo.” E quando a gente fica nessa de que “estou precisando fazer”, é porque já começa a gritar o chamado para redirecionar a vida.

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