O deserto II
Deserto é solidão
Até entrar no deserto nós vivemos bem. Vivemos comodamente assentados no mundo em que elegemos. Porém, nele perdemos a estabilidade e a segurança com que agimos. De certa forma, perdemos também o domínio do campo, de onde é possível concluir que ele define o momento de acentuado desconforto e solidão. Para ser mais exato, deserto é a expressão da solidão, tanto que desertar é se lançar no deserto.
Repare que todas as vezes que implementamos no coração uma mudança nós temos a sensação de solidão. Não é? Aquele sentimento de certo abandono, de perder isso, perder aquilo. Sentimo-nos entrando num terreno escuro e na vida não tem ninguém que não se sinta assim em certos momentos. Deserto também é uma forma de sermos visitados pelo temor e o temor não deixa de ser uma forte indução à solidão.
Geralmente sentimos uma necessidade grande de estarmos envolvidos por pessoas praticamente o tempo todo. Inclusive achamos que vamos ser aplaudidos pelos outros nessa nova área e que vamos ser reconhecidos. Só que no deserto passamos a ser criaturas completamente desconhecidas. Podemos estar cercados por muita gente, morando numa cidade enorme, mas somos os desconhecidos nesse ambiente.
Este momento constitui uma fábrica indescritível de pensamentos, com muitas coisas girando em nossa cabeça. E, quase sempre, nessa situação entramos na alimentação da carência e começamos a nos sentir tristes, os mais sozinhos do mundo.
A solidão é fator que tem combalido muitas pessoas nos dias atuais. Grande número delas não consegue manter o equilíbrio necessário dentro desse processo e acaba caindo no desespero, o que faz a situação se enovelar às vezes por longo tempo. Tem também precipitado situações complicadas que até culminam em terapias de anos, como dela saem ideias de inconformação, suicídio, agressão e delinquência.
Reflexão e projeção
No entanto, como tudo tem dois lados, a solidão é amiga para quem sabe utilizá-la. Por isso, experimente-a de vez em quando. É condição imperiosa para o verdadeiro progresso saber estar só. Quem não passa pelo processo da solidão não progride.
O deserto é importante. E dizemos mais, é fundamental. Grandes personalidades passaram por ele.
Foi o que aconteceu com o agrupamento judeu que saiu do Egito e ficou na península do Sinai durante praticamente quarenta anos. João Batista, o primeiro indivíduo que trabalhou apontando Jesus, pregava no deserto da Judéia. Isto também aconteceu com o próprio Jesus. Antes de começar o seu ministério, Ele foi levado para onde? Para onde João Batista parou. Você se lembra? Foi para o deserto e ficou lá quarenta dias e quarenta noites antes de começar a sua missão, sem contar que Ele esteve sozinho nos momentos cruciais de sua passagem pela Terra.
E o que aconteceu com Paulo (então Saulo) quando recebeu o chamado na estrada de Damasco? Você também se lembra? Ficou sozinho. Sozinho e perdido. E tanto ficou perdido que foi para onde? Para o deserto, onde ficou por três anos com o casal Àquila e Prisca, criando condições e forças para realizar suas legítimas metas.
O deserto pode representar a grande fase do indivíduo no seu plano de altas conquistas espirituais. Nele costumam sair os momentos de verdadeiras vitórias para o espírito.
Pela solidão, muitas vezes somos capazes de buscar dentro de nós mesmos aquelas áreas e componentes que no sufoco e na correria da vida não conseguimos detectar. Porque no fundo todos temos potenciais não revelados que ocasionalmente a revelação de fora faz a indução mas não gera o toque dentro da gente, não desperta. Este momento propicia essa oportunidade de abertura pelo qual conseguimos concluir o que fazer, conseguimos definir qual o caminho a seguir e que estratégia usar.
Por isso, calma! Esse sentido da solidão, que tem marcado muitas criaturas, é preâmbulo para se chegar a novo patamar. Nos faz recorrer profundamente à nossa intimidade e abre para nós um terreno amplo de reflexão, em que podemos avaliar nossas atitudes, revisar nossos passos e medir a extensão das nossas necessidades e valores.
Bem aproveitado, fornece-nos oportunidades valiosas naquilo que os antigos chamavam de “o templo do silêncio”. Nenhum barulho externo à nossas volta, mas no íntimo uma imensidade de pensamentos, como se nos alienássemos do ambiente exterior e fôssemos lançados ao encontro de nós próprios numa grande esteira de elaborações mentais.
E tem outro ponto que não pode passar despercebido. Quando nos encontramos sozinhos é porque tem algo aí para ser revelado. Todas as vezes que nos identificamos sozinhos, tem alguma coisa projetando a nossa evolução para novos pisos. E não sou eu que estou dizendo. É da lei! Faz parte do mecanismo evolutivo. Quando nos achamos sós, desnorteados, aparentemente perdidos e sem rumo, tem algo a ser revelado.
Então, você pode ficar chateado, mas por favor, não se desespere quando estiver vivendo essa fase. A vida traz momentos assim para o nosso crescimento.
Se você estiver num deserto em determinadas facetas da vida, mantenha a calma e procure encontrar caminhos. Sabe por quê? Porque sempre tem uma indicativa no meio disto. Na hora que a ideia de desalento surgir, respire fundo. Ore e peça para que estejam com você os amigos e benfeitores espirituais, porque imediatamente eles vão te ajudar num plano de identificação de padrões redentores na sua própria intimidade.
Os componentes da solidão tem esse aspecto. Em quantas situações, quando nos achamos tristes e sozinhos, não indagamos “meu Deus, porque está acontecendo isso comigo, por que estou tão só” e não demora a resposta surge quase que naturalmente? Chega para nós o evangelho trazendo um painel imenso de medidas.
Daí, sabe a que conclusão chegamos? Que a solidão na sua legitimidade não existe. O que existe é uma pseudo-solidão presente para que sintamos dentro de nós o amparo divino, de onde podemos afirmar, com toda a tranquilidade, que embora às vezes pareça o contrário, não tem ninguém desamparado nesse deserto. Entendeu? Ninguém.
Indo à frente
Quando uma novidade visita a nossa mente nós somos jogados no deserto. Ou seja, na hora que damos um passo para além do nosso território nós o enxergarmos. E o que nos faz identificar esse ambiente que se descortina é a visão. Mas uma visão que nos mostra o quê? A área que nós temos que construir.
Porque no deserto não existem construções. Ele representa todo um campo não operacionalizado em que vai ser preciso operar. Está dando para acompanhar? Todo trabalho a ser feito é mostrado neste ambiente, e alguém nele se identifica quando descobre um caminho novo a palmilhar. É dentro dele que vai ser preciso edificar um novo padrão.
O que promove a construção? O que sedimenta e efetiva a conquista? A ação! Percebeu? Não é a ideia ou a proposta. Daí, João Batista aponta que tudo o que se aprende tem que ser operado, que tudo o que se aprende tem que ser aplicado, vivenciado.
Por ser um espaço que precisa ser construído, o compromisso passa a ser a entrada em uma nova proposta. Sendo um lugar árido, pode ser fertilizado ao nível da mente. É campo que se abre ao ser para que ele edifique uma nova mentalidade e busque operar sob novas bases e novos parâmetros, o que pressupõe a necessidade de encontrar material apropriado para fazê-lo produzir.
O precursor nos apresenta o deserto, que surge no momento em que a consciência se desperta e enxerga que algo existe para além da lei. Assim, em tantas ocasiões em que a individualidade descobre que algo existe para além do que lhe é cobrado ela se coloca nesse território. No entanto, não há como buscar frutos dentro dele. Não se pode colher no deserto porque nele não há nada plantado.
Resultado: é com Jesus que nós saímos. É Ele que vai nos tirar de lá. Ficou claro? Sair do deserto é com Jesus. De que maneira? Operando. Mas lembre-se, essa saída não pode ser de qualquer jeito, no improviso, pois acabamos de ver que o próprio Mestre teve que ficar quarenta dias lá. É uma saída de forma adequada, com preparação e planejamento.