Sensibilização e treinamento
A procura
Muita gente chega aos núcleos religiosos quase que dentro de uma linha terapêutica. Isto é, chegam em alguma coletividade espiritual, seja ela de qual natureza for, para resolver os seus problemas do mundo interior. Concorda comigo? Chegam por necessidade, visitados por dores, por apreensões ou sofrimentos dos mais variados tipos.
Procuram o campo da fé objetivando solucionar enigmas que consideram importantes. Cansados de tanta pancada que estão levando, aproximam-se da espiritualidade em busca de reconforto. Chegam procurando algum socorro, seja por causa de lutas dentro de casa, querendo resposta para um problema qualquer, auxílio para um filho que está doente, alguma interseção para o caso de um familiar e por aí adiante.
E o começo é assim mesmo, o que não deve ser novidade para ninguém. Afinal, não é a dor e a dificuldade, em tese, que levam as criaturas humanas até o evangelho de Jesus?
O chamado
Então, a criatura chega pela dificuldade que surgiu, que a está incomodando e ela quer sanar. Vem procurar o recurso e o alívio para alguma dor ou problema que a aflige. Chega marcada e estigmatizada por determinado acontecimento querendo auxílio.
Passada essa fase inicial, em que começa a se ambientar e participar das reuniões e dos estudos de forma assídua, em muitos casos ela começa a observar que o assunto tem uma abrangência maior do que imaginava e que ali vigora uma proposta de mudança.
Sem contar que a sua chegada instaura, às vezes, um drama em sua consciência, no sentido de que pode não ter uma percepção clara do que está acontecendo, mas inconscientemente nota que pode estar sendo visitada por processos decorrentes da lei de causa e efeito. E conclui que a resposta da vida vai lhe exigir uma alteração de postura.
Se tinha o pensamento restrito ao seu interesse pessoal, vai começando a abrir o campo de relacionamento e a sua mente para o interesse do semelhante. Isso é algo que acontece. Quando nós entramos nesse lance de buscar o conhecimento e estudar, não fazemos a mínima ideia do que vai nos aguardar lá na frente. Mas passamos a sentir algo novo dentro da gente. Um chamado sutil, e até velado, de que precisamos ser útil.
E na medida em que vai definindo essa nova posição, ela se sente motivada a integrar determinada tarefa ou costuma ser convidada a cooperar com o grupo de alguma forma.
Assim, é comum observar uma pessoa que foi buscar auxílio e, de repente, sabe como ela está? Engajada em uma atividade, fazendo curso de passe, de expositor, participando de campanha ou integrando uma equipe de visita a hospitais. Enfim, tomando iniciativas que vão ajudá-la em um processo essencial de renovação da mente.
Porque quando entramos em um núcleo religioso, e nos sentimos motivados, além da oportunidade de aprender surge para nós uma chance de servir. Quantos de nós nos dirigimos ao evangelho por causa das lutas dentro de casa ou em razão do caso de um familiar e chegando lá passamos a oferecer nossa cooperação? Nesse exercício da caridade conseguimos, aos poucos, encontrar um ponto de referência e de conforto.
Tarefas e o despertar da sensibilidade
Não raro, entramos no plano do auxílio e passamos a dedicar, pelo menos uma vez por semana, a alguma tarefa ou a um trabalho de assistência social. Não é isto? É um sistema que costumamos implementar. Mas é preciso levar em conta que tudo que é sistematizado funciona como um fator de disciplina. Entendeu? Fator de disciplina.
É que ao investir, com base na clareza do raciocínio e no despertar do sentimento, estamos treinando amar, treinando ajudar os outros, razão pela qual o bem que se expressa nesses ambientes é laboratorial, embora para muitos já não seja mais laboratório, e sim uma manifestação natural da personalidade. Com isto também não estamos descaracterizando o trabalho que se realiza em um núcleo dessa natureza. De forma alguma.
Para se ter ideia, tem muita gente trabalhando no campo assistencial que não sabe o que está fazendo lá. É isso mesmo. Às vezes, a criatura trabalha a vida inteira na desativação de um reflexo e ela não sabe. Recebeu a dica durante o sono físico, no momento em que lia uma página ou enquanto conversava com alguém e resolveu investir.
Agora, um detalhe que a maioria das pessoas não atina: Nós entramos e nos entrosamos nas tarefas da caridade, seja dando palestras ou orientando corações, visitando residências ou instituições, distribuindo alimentos, dando passes e ajudando a necessitados, entre outras atividades, achando que já é a manifestação do nosso amor que se irradia. E está errado? Claro que não. Eu também penso assim, afinal não sou pessimista.
No fundo, achamos que estamos exercendo o amor. Você está acompanhando o raciocínio? Pois a questão é interessantíssima. Um indivíduo que integra uma equipe de atividade externa de um grupo religioso, por exemplo, pode achar que está indo por causa dos doentes, ou que está fazendo um bem fora de série levando comida para os carentes do estômago. E realmente pode estar. Aliás, é comum ouvi-lo dizer para outras pessoas: “Eu não largo essa tarefa. De quinze em quinze dias eu visito um hospital”.
No entanto, sabe qual é o objetivo essencial dele estar nessa equipe? Embora a resposta imediata seja levar conforto a alguns pacientes, lá no fundinho a sua ida não é para atender ou auxiliar, embora isso possa acontecer. Ele está visitando hospital é para aprender a falar baixo, porque é gritador. Mas ele não sabe que está frequentando por isso.
Abertura
Essas atividades fazem o papel de abertura e preparação dos nossos corações ao grande propósito de estruturação de novos componentes na intimidade. Por enquanto, elas são um plano detonador da sensibilidade, por meio das quais buscamos disciplinar e abrir a nossa possibilidade de cooperar.
Para ilustrar imagine o seguinte: Um indivíduo frequentou determinada instituição de auxílio por 30 anos, levado pelos amigos. Ele ia com uma turma uma vez por mês. E durante esse período foi tantas vezes que realmente passou a gostar do que estava fazendo. Mas quem sabe se nos primeiros 28 anos ele foi sem euforia, apenas porque achava que devia fazer aquela tarefa. Alguns que o viam lá até pensavam: “Nossa, que amor extraordinário essa pessoa tem.” Mas que amor que nada. Cada visita que ele fazia funcionava como uma batida na rocha cristalizada da sua insensibilidade. Ficou claro?
Acima do objetivo de auxiliar, a caridade, sob qualquer tipo, sensibiliza e capacita a nossa determinação pessoal. Apesar de querer ajudar, inicialmente estamos lutando conosco no plano educacional, de forma que as ações de auxílio que se desenvolvem em muitos grupos espirituais de maneira sistematizada fazem esse papel. As criaturas a exercitam porque estão precisando aprender e treinar. Treinar o quê? Serem pessoas mais dóceis, mais amáveis, mais simpáticas, mais solidárias, mais comunicativas. Muitas vezes também elas estão trabalhando na arregimentação de recursos que as ajudem a enfrentar os seus gritos íntimos. E com essas atividades elas começam a melhorar.
Todo aquele que pretende crescer nutre dentro de si uma sensibilização para com os que estão à sua volta. E o dia em que todo mundo for espontâneo no discernimento daquilo que é bom para as outras pessoas e também para si mesmo, com certeza não vai mais ser preciso essas atividades sistematizadas, porque todo processo sistematizado de cooperação, de ajuda e de orientação tem uma função limitada.
É importante sairmos de nós mesmos para sentir a necessidade e a dor dos nossos irmãos. Esse tem sido um desafio para nós, mas nós vamos chegar lá, porque quando o Senhor nos permite identificar as necessidades alheias é porque de certa forma já podemos auxiliar. E vamos seguindo assim, no trabalho em grupo, porque é gostoso e vivemos em sociedade, até o dia, quem sabe, em que já tivermos a iniciativa de operar de modo natural e tranquilo ante as circunstâncias da própria vida. Vamos pensar nisso.