A caridade – Parte 10

Onde começa a caridade

Introdução

Nossa doação permanece diminuta porque a gente não ama. Embora soe duro, é a verdade. Nosso amor se manifesta no prático e ficamos na parte exterior por ser mais fácil.

E quando o assunto são as obras a realizar, então, não raro surgem as ideias megalomaníacas. Aquela coisa de querer fazer grandezas: “Frequentei uma igreja que cabia 150 pessoas. Eu vou construir uma, e na minha vou colocar capacidade para 700”.

Olha, não é que isso não possa acontecer. Até pode. Porém, sinceramente não é por aí. A questão não é querer fazer algo acima daquilo que os nossos potenciais suportam.

 Renovação íntima

E onde deve começar a caridade? Na verdade, não existe uma fórmula pronta, específica, fechada. Agora, se por um lado desconhecemos o que ela pode ser, por outro sabemos exatamente o que ela não é. Por exemplo, como eu posso me matricular nesse contexto entristecendo o familiar com quem convivo, colocando o meu vizinho contrariado ou todo mundo lá no meu serviço apavorado? Isto não é caridade de jeito nenhum.

Para início de conversa, caridade não é o que entra, é o que sai. Consiste na irradiação do amor, o que pressupõe a necessidade de transformação no plano interior para que possa se manifestar, razão pela qual estamos tentando convencer a nós próprios, pelo conhecimento racional, de que precisamos melhorar. É preciso empenho para conseguirmos alcançar um piso acima, até para podermos cooperar com mais eficiência.

A caridade estendida ao próximo, sem dúvida nenhuma, deve começar em nós mesmos. Quem não realiza a própria transformação moral não sabe o que é entregar-se a ela, porque esse é o legítimo ângulo capaz de trabalhar o substrato profundo da consciência.

E sabe onde está a dureza? Na luta íntima da gente com a gente mesmo. A dureza está nas mínimas coisas, no investimento aplicativo de cada momento. O duro é aguentar desaforos, engolir sapo e não sei o que mais para poder renovar-se. E ai de nós, se dentro dessa proposta não nos predispusermos a fazer esse trabalho reeducativo.

O primeiro movimento é a renovação do coração. E ninguém saberá o que significa o bem sem olhar a quem se não redimensionar em seu interior os sentimentos negativos.

Onde começa a caridade

Esse esforço de iluminação deve iniciar-se pelo autodomínio, pela disciplina dos nossos sentimentos inferiores e pelo trabalho silencioso com vistas à diminuição das paixões. Calando a inquietação no campo íntimo, reclamando menos das coisas que nos desagradam, reduzindo a crítica e silenciando onde não possamos agir em socorro de alguém.

Nós, às vezes, ficamos assim: o que é que eu faço? Mas quer saber por onde começar?

Você chega em casa de cara fechada, reclamando e achando que foi o único que trabalhou no dia. Virou uma peça complicada para os familiares. Todo dia é a mesma coisa, a ponto de ter conseguido a incompreensão e a reação negativa deles. Na hora que começar a chegar e o pessoal não reclamar da sua chegada já está bom, você já começou a fazer caridade. Ou, então, tem um irmão com o qual não se dá bem, a ponto de esbarrar um no outro no corredor e quase sair uma briga. O que fazer? Passe a ser simpático com ele. Percebeu o que eu estou querendo dizendo? Começa por aí.

O caminho é implementar os valores à partir das mínimas coisas. Identificar a forma como está saindo de casa, se fechou o portão com educação ou bateu. Como é que você bate a porta do carro, como toca a campainha da sua casa quando chega. Qual a altura que coloca o som quando vai ouvir suas músicas. Como tem cumprimentado as pessoas na rua, e se as tem cumprimentado. Como atende as ligações que recebe.

Chegou em uma loja, o vendedor ou funcionário está com a cara ruim, comece a conversar com ele. Ele pode estar num dia difícil, ou envolvido por algum problema. Não pode acontecer? Mas não vai dar uma de doutrinador não. Pelo amor de Deus. Solte uma coisinha simples, um gesto ou uma frase de simpatia. De repente ele até solta um sorriso amarelo. Todo mundo gosta de ser bem tratado, todo mundo gosta de ser elogiado e valorizado. Quem sabe se daqui a pouco ele começa a melhorar o semblante.

A caridade começa também no fato de nos tornarmos menos oneroso aos outros, passarmos a dar menos trabalho aos outros, dificultar menos a caminhada dos outros e aliviar o peso em nossa área de atuação, seja em casa ou no serviço. Direcionarmos de tal maneira que, no mínimo, não perturbemos a tranquilidade de quem quer que seja.

– Ah, eu não sabia que isso era caridade.

É sim. São coisas simples que fazem com que se sublime em nossa intimidade o ponto de interação com a sociedade e a própria vida. É um desafio, porém na hora em que passamos a obstar menos a caminhada dos outros, sorrir um pouquinho mais e sentir alguma alegria ao ver o semelhante melhor, notamos que estamos vibrando de maneira diferente.

Caridade tem que refletir a luz íntima

Vamos entender o seguinte: no plano educacional o bem sempre surge do núcleo para a periferia. Prestou atenção? É do núcleo para a periferia, e nunca o contrário.

Quem realiza perifericamente faz amigos, e quem realiza interiormente faz luz. E fazendo luz ele pode, inclusive, operar com mais eficiência junto da grande massa que sofre.

Antes de qualquer coisa, é preciso sentir o amor para depois aplicar. Sua prática deve ser a exteriorização do amor que instauramos em nós, e não mais aquela proposta mercantilista de fazer e não implementar a mudança interior. Afinal, seremos lá fora, no campo da experiência pública, a continuação daquilo que já somos na intimidade de nós mesmos.

É à partir daí que seremos felizes na doação. É assim que a caridade nasce do fundo do coração como resultante da melhoria íntima, após o desejo de aprender com Jesus.

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