A essência da caridade II
Dar do que tem
“E disse Pedro: Não tenho prata nem ouro; mas o que tenho isso te dou.” Atos 3:6
“Antes dai esmola do que tiverdes.” Lucas 11:41
“E disse Pedro: Não tenho prata nem ouro; mas o que tenho isso te dou.” Observou o versículo? Nos serviços da caridade raramente a criatura cede aquilo que lhe constitui propriedade intrínseca. Agora, cá para nós, você acredita mesmo que em se tratando de bem sublime alguém pode confiar nas posses perecíveis de uma forma absoluta?
O evangelho é claro quando nos convida a dar do que temos. É que dar o que temos (propriedade) é diferente de dar o que detemos (posse). Na prática, é imperioso dar do que somos, valendo lembrar que ninguém dá a outrem o que não possui no coração.
A conclusão é que a caridade não depende da bolsa e o melhor patrimônio vem do íntimo. Aliás, é mais fácil dar esmola do que operar a caridade, porque a caridade é dar de si mesmo. Para ajudar um carente na sua linha intrínseca é preciso sacrifício da parte de quem auxilia, enquanto na esmola a pessoa dá o que lhe sobra.
E todos nós, sem exceção, podemos distribuir das riquezas que fluem de nós mesmos, cuja aquisição é inacessível à moeda comum. Não importa a condição, ninguém no mundo é tão pobre que não possa dar algo de si. Sempre temos algo positivo a oferecer àqueles que surgem em nossa órbita, ainda que cheguem agressivos ou contrariados. E embora esse benefício moral não custe nada, materialmente falando, por incrível que pareça é o mais difícil de ser ofertado.
Quem acha que apenas as providências materiais e o dinheiro representam a base da caridade precisa se lembrar que Jesus enriqueceu a Terra inteira sem possuir sequer uma pedra onde repousar a cabeça. Agora, tem um detalhe que não podemos esquecer: como ele mesmo disse, dar a quem pede é diferente de dar o que se pede.
Nenhuma atividade nos campos do amor é insignificante. Nenhuma. E não é possível avaliar a importância das pequenas doações, motivo pelo qual não precisamos esperar sobras na carteira para cooperar. Quem aprende e avança sempre tem a oferecer. Até um olhar direcionado de modo atencioso indica que ele transmitiu alguma coisa.
Encontramos com uma pessoa e ela está de cara fechada. O que a gente faz? A gente se aproxima: “O que está havendo com você? Está tendo um dia difícil?” Chega com tranquilidade, sorri para ela com simpatia e tenta recompor o seu coração com uma palavra de ânimo. Isso é caridade muito maior, às vezes, do que se possa imaginar.
Porque uma atitude dessa ordem, em que tentamos recompor a estrutura dessa criatura que está em sofrimento ou em defasagem, quantas pessoas se beneficiarão se ela harmonizar sua intimidade naquela hora? Notou? Quantas vão se beneficiar? Pode ser o companheiro ou a companheira que não vai ter complicação, um filho ou colega de trabalho que vai ser melhor tratado. É por aí. Um sorriso pode ser uma bênção para muito tempo.
Por essa linha de raciocínio, o gesto daquele que permitiu que o outro passasse pela porta ou entrasse no elevador antes dele (“por favor, entre”), é tão importante como o de alguém que deu um livro de presente. Não tem diferença. Agora, se alguém deu a passagem e depois fala “eu deixei passar porque ele é muito mal educado”, ou deixou para não levar uma esbarrada do companheiro, aí talvez não passe de um gesto egocêntrico.
Em virtude do volume informativo que já detemos, somos convocados à vivência do conteúdo crístico que não tem porque não ser aplicado mais. Candidatos à aplicação do amor para além das convenções religiosas, passemos a colocar, de alguma forma, a nossa felicidade à mercê de terceiros. Porque embora ninguém seja obrigado a atender os caprichos de alguém, sempre pode deixar algo salutar no coração de quem pede ou precisa.
O que nos compete, na distribuição de qualquer auxílio imediato, é sairmos de nós mesmos e cedermos algum bem do espírito em favor do próximo, seja uma palavra positiva em uma conversa, por telefone ou pessoalmente, um sorriso espontâneo, uma parcela de tolerância, uma postura de compreensão ou alguma atitude adequada.
São pequenos lances comportamentais que vão definindo que estamos encontrando um estado maior de segurança. Quem estuda sabe que um pedaço de pão, uma peça de vestuário, um frasco de remédio ou um copo de leite podem operar maravilhas. Agora, quando se trata da faixa vibracional nós encontramos dificuldade pela falta de prática.
O que premia ou entristece
Uma frase de bondade, ligeira e singela embora, é uma estrela de esperança na escuridão de quem chora. Meimei – Livro Recanto de Paz, Francisco Cândido Xavier (espíritos diversos).
Quando se trata de favores e interesses pessoais nós costumamos ficar naquele meio termo. Fazendo conta de tudo: se demos dois reais e recebemos três ou se demos um real e recebemos somente cinquenta centavos. Dei uma ideia de dinheiro para ficar fácil o entendimento, porque nesse aspecto a gente entende que é uma beleza. Quando, na realidade, o que a caridade propõe é o desprendimento daquilo que é nosso.
Por exemplo, a criatura pediu e eu fiz. Dei minha colaboração. Agora, o que aconteceu nesse ato, ou melhor dizendo, no meu reflexo interior, é que define a caridade. Ou seja, eu fiz, mas ninguém sabe (quem viu ou presenciou) o que se passou na minha mente. Então, a manifestação é neutra, o ato de caridade é neutro, e no fundo não vamos ser aferidos pela linha numérica. O que vai pesar é o espírito de interação de quem o praticou com as pessoas, a definir que ele pode vir carregado até de situações menos felizes. Prova disso é que em certas situações a colaboração dada magoa o auxiliado e a moeda ofertada pode representar um desastre para quem a deu.
Percebeu a conclusão? O que manda é o que circula no campo vibracional. Isso é que é o mais importante. A carga de emoções e de vibração exteriorizada em uma ação no bem é que vai determinar o percentual, se é que podemos dizer assim, da linha qualitativa, e que vai premiar e elevar a criatura, ou entristecê-la, jogar para baixo e a onerar.
Sem contar que a evolução de alguém não se processa pelo número de pessoas que ele atende. Não se baseia na linha quantitativa de atendimento e, sim, na natureza e nas condições de luz que esse alguém elabora dentro de si. Porque é a luz que projeta.
E para que a transferência se faça por meio da caridade é preciso direcionar a essencialidade alimentícia que é o amor. Como disse Paulo, mesmo que alguém fale a língua dos anjos ou faça o que quer que seja, se não tiver amor de nada valerá.
O que define é o amor transmitido. Você pode dar 999 pães e nenhum deles ter sido dado com uma gotícula de afeto sequer. O outro deu um só e deu amor. E o que recebeu pode até pensar no dia seguinte: “Eu estou com fome hoje, mas o pão que eu recebi ontem foi dado com tanto carinho que eu não esqueço o sorriso da pessoa que me deu.” Ficou claro? O pão metabolizou, fez o papel dele, mas aquele comportamento ficou marcado.
O homem generoso pode distribuir dinheiro e utilidades com os necessitados que encontra no caminho, porém não fixará em si mesmo a luz e a alegria que surgem dessas dádivas se não as realizou com o sentimento de amor. O outro é enfático na sua posição: “quem ama é aquele que dá a sua vida pelo semelhante.” Tudo bem, cada qual pensa da maneira que quer, mas às vezes ele dá a vida pelo semelhante, faz tudo que o semelhante quer, mas não o ama. Percebeu? Faz tudo o que é preciso mas não tem carinho, não sente prazer nisso, não vibra com isso, não sente o gostinho bom de interagir com a pessoa, com o fato ou a situação. Faz, mas não sente a alegria no fazer.
E essa coisa de vibrar com o que faz é o desafio que nós estamos tentando aprender.
Estamos tentando fazer o mínimo, porque o mínimo que se faz vale mais do que o máximo que se pensa. Tentando fazer um trabalho íntimo para que a caridade não seja uma condição entristecedora para nós. Pelo contrário, que ela seja uma porta libertadora.
Daí, fica um recado: vamos ajudar o próximo, todavia vamos procurar fazer de modo que o nosso campo mental sinta prazer nisso. Por enquanto, oferecer aos outros ainda nos custa sacrifício, e se eu faço o bem e não sinto prazer nesse fazer fico me desgastando. Fico andando na contramão, porque o amor é o contrário do desgaste. Ele conforta, refaz e alimenta a alma. Por outro lado, no momento em que essa ação começar a nos causar euforia é sinal de que nós estamos mantendo a nossa linha mental limpa.
Ah, mais um detalhe: a caridade dever ser anônima; do contrário não é caridade, é vaidade.