A caridade – Parte 15

Não nos cansemos de fazer bem

Não nos cansemos de fazer bem

“E não nos cansemos de fazer bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido.” Gálatas 6:9

Enquanto pensamos em fazer “o bem” sabe o que o evangelho propõe, conforme o apóstolo Paulo? Fazer “bem”. Você leu o versículo acima? “E não nos cansemos de fazer bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido.” (Gálatas 6:9) Não tem o artigo (o), de forma que o nosso desafio hoje não é fazer o bem, é fazer bem.

E sabe porquê? Porque o ato de fazer “o bem” pode muitas vezes ser uma atitude periférica, de fora para dentro. Ou seja, uma ação ocasional, realizada de forma esporádica, de vez em quando, e que não representa a síntese de vida de quem a realiza. E a realidade atual não comporta mais a permanência em lances fugidios e eventuais. O momento agora exige um trabalho de sequência de caracteres novos no coração.

Preste atenção. Isso aqui não é aula de português, mas se não tem o artigo (o) não há objeto direto a especificar a natureza da ação. Concorda? O que pode fazer alguém questionar: “Tudo bem, entendi. Mas fazer bem o quê? O que devemos fazer bem?” E é essa a questão. A ausência do objeto direto responde por si, definindo generalidade. Quer dizer, o que devemos fazer bem? Tudo. Clareou? Temos que fazer tudo bem.

O advérbio de modo (bem), de natureza positiva, sugere a maneira como esse fazer deve ser realizado. A forma como devemos fazer todas as coisas. Que devemos fazer “bem”, não importa tratar-se de atividade imposta, de uma obrigação ou de algo resultante de nossa opção no campo da escolha e da espontaneidade. Não existe distinção.

Tudo o que fizermos devemos “fazer bem”. E “fazer bem” significa fazer bem feito, com alegria, entusiasmo, dedicação, boa vontade, com disposição e bom ânimo. Aliás, o evangelho é enfático nesse aspecto ao nos dizer “misericórdia quero, não sacrifício”.

Aperfeiçoamento

Fazer bem é dar o nosso melhor. Agora, você acha que o melhor que damos hoje é finalístico? De forma alguma. Ele pode ser melhorado. Isso nós temos observado inclusive na prática. Tudo o que fazemos bem, seja lá o que for, sempre podemos fazer melhor.

Daí, no fritar dos ovos “fazer bem” diz respeito à nossa capacidade de aperfeiçoamento. E aperfeiçoar-se é tentar colocar no plano prático, com segurança, método, equilíbrio e discernimento aqueles melhores valores que temos aprendido teoricamente. Sintetiza uma postura de vida. Tanto que aquele que faz bem sabe e tem consciência do que está fazendo. Onde ele estiver procura operar e agir dentro de uma ética.

Consciência e sensibilidade

Antes a nossa preocupação estava voltada ao ato de fazer “o bem”. Essa era a tônica. Mas hoje quem acha que o importante é fazer “o bem” é o religioso, ou apenas pretencioso, podendo inclusive agir de maneira alienada. Está dando para acompanhar o raciocínio? Fazer “bem”, e não “o bem”, é alguma coisa que envolve a nossa linha de sensibilidade.

Não se assuste com o que eu vou dizer, mas aquele que está se esforçando, e conseguindo, eliminar o vício de fumar, por exemplo, se bobear está fazendo mais do que muitos que visitam sistematicamente uma casa ou outra para levar um plano de consolação.

Só que infelizmente nós somos tão convictos de que o nosso amor é superior ao dos outros, que é comum alguém diminuir o sorriso daquele que fala: “fulano, você não acredita, eu estou deixando de fumar”.

E o que ouviu pensa: “Grande coisa. Já deveria ter largado essa porcaria faz tempo. Eu estou muito melhor. Nunca fumei”. Percebeu? Nessa hora, o amor deste que pensou assim se apequena e é subtraído pela falta de compreensão, entendimento e fraternidade. Porque a sua partícula de afetividade está envolvida pelo egoísmo e pela vaidade.

Eu estou mencionando isso para que nós possamos avaliar essas questões no momento de nossa intimidade. De modo a sabermos mais do que se passa em nosso coração.  

Sem perfeccionismo

É importante ressaltar que o aperfeiçoar-se não pode nos levar a um sistema de perfeccionismo. Não pode nos fazer adotar um zelo extravagante ou caprichoso que tantas vezes não passa de uma manifestação distorcida e complicada da vaidade e do orgulho.

Isso precisa ficar claro. O aperfeiçoamento é imperioso e gratificante para nós próprios na medida em que agimos sem presunção e sem achar que nós somos os melhores.

Não podemos abrir mão do aperfeiçoamento para entrar no perfeccionismo e nos caprichos. Todo capricho insinua perfeccionismo. Está certo que a gente gosta dos detalhes, não gosta? Até aí, tranquilo. Todos nós temos as nossas manias. De ficar lá, fazendo, vendo se está ficando bonitinho. Mas tudo é muito relativo. Tem hora que não dá pra fazer exatamente do jeito que gostaríamos e a coisa tem que ir do jeito que está, senão complica, atrasa.

 Consequência da transformação

É bacana a decisão de querer fazer algo, a vontade de se predispor ao trabalho. Isso não pode ser descaracterizado. Só que precisamos nos desvencilhar da ideia de sair fazendo caridade naquele sentido periférico e sistematizado que, às vezes, as religiões nos induzem a fazer.

Vamos tentar explicar melhor? O objetivo principal deve ser a luta íntima, a reeducação e a melhoria pessoal. Esse deve ser o sistema. Para que o trabalho nosso em termos de cooperação seja mais sólido e constitua um plano refletor da elaboração íntima que estamos levando a efeito, e não um componente ativador do despertamento.

O importante é esforçarmo-nos para fazer tudo bem, porque quando se persiste em fazer “bem” o fazer “o bem” surge como uma decorrência natural desse aperfeiçoamento.

Porque é muito simples. Na hora em que nos direcionamos para as realidades maiores da vida a gente aguenta ficar sozinho, ou ficar indiferente? O que você acha? Não tem jeito. Uma coisa começa a gritar dentro da gente: “Vamos cooperar, meu filho! Vamos cooperar, minha filha!” Percebeu? Então, é muito difícil uma criatura com sensibilidade, amor e humidade conseguir mudar sem registrar alguma coisa em favor daqueles que se acham em volta.

O que efetivamente atesta o progresso é a luz.  À partir daí, a caridade resulta do processo de identificação e assimilação de novos padrões. A capacidade de operar no amor, ou o trabalho vertido em benefício dos outros, torna-se o reflexo de nossa intimidade e da nossa melhoria. Uma manifestação espontânea do que já temos embutido no psiquismo. Começamos a operar sob a tutela do amor, e isso marca a nossa individualidade para sempre.

Então, a conclusão não pode ser outra: se tivermos a consciência tranquila de que estamos fazendo “o bem” é porque de alguma forma atingimos o ponto de fazer “bem”.

Sequência

Mais um detalhe fundamental: a gente começa, mas não pode cansar. Ok? “E não nos cansemos de fazer bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido.” (Gálatas 6:9)

É imperioso seguir. É fundamental sequenciar. Não podemos parar. Se a porta é estreita (pressupõe esforço para entrar) e o caminho é apertado (exige sacrifício para manter) não podemos nos cansar. Vamos persistir, continuar a linha de ação condizente com a proposta que adotamos. Porque a ceifa, ou colheita, vai ser o resultado dessa permanência.

E o que nos compete: fazer a nossa parte com dedicação e alegria. Não nos cansarmos de operar no bem, não nos cansarmos de fazer alguém feliz. O resto não é com a gente.

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