A caridade – Parte 18

Ajudar, não resolver I

Jesus aliviava, e nós?

“Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei”. Mateus 11:28

Não fique chateado com o que eu vou dizer, mas Jesus não resolve o problema de ninguém. Ele mesmo disse isso: “vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei”. Mas nós não, não queremos aliviar. Em várias situações nós queremos é resolver. E entramos de cabeça nas dificuldades dos outros como se pudéssemos saná-las.

De maneira esdrúxula e ineficiente, ficamos dando uma de papai do céu. Isso vale para todos nós. Basta vermos a pessoa que nos afeiçoa com problema e já queremos solucionar.

O filho chega em casa chateado. Está com uma dificuldade e não sabe como vai fazer. O pai, mais do que depressa, logo diz: “Deixa comigo. Não esquenta que eu vou resolver. Deixa que eu dou um jeito”. Não é assim que acontece, ou você acha que estou exagerando?

Essa sua atitude pode ser até mais por sentimentalismo do que propriamente pela condição educacional de amor, mas o importante a registrar é que quase sempre nós buscamos avocar essa posição de pai por excelência. E realmente gostamos disso, dessa condição de querer salvar os outros e resolver sobre o destino alheio. Sem nos atentamos para as mensagens intrínsecas contidas nas situações, ficamos olhando no vapt-vupt dos acontecimentos, o que é uma questão que pode nos fazer sofrer no decorrer do tempo.

Nada de torpedear a vida do outro

Ao longo do estudo temos aprendido que essa atitude positiva no bem tem que ser efetuada a todo momento. Só não devemos agir como se quiséssemos dirigir a vida dos outros.

Por querer quase tudo de forma imediata, e realizar muita coisa a toque de caixa, no assunto cooperação não é diferente. Incontáveis vezes mantemos o nosso grau de ansiedade nas alturas. E como não dispomos de conhecimento nítido dos aspectos intrínsecos e espirituais das pessoas com as quais convivemos e predispomos a ajudar, costumamos ficar entristecidos quando desejamos que elas tenham uma mentalidade que não estão preparadas para ter. Ficamos chateados por não perceberem o que nós percebemos.

Mas cá pra nós. Sejamos sinceros. Você acha que nós conhecemos os compromissos que essas pessoas tem nas respectivas áreas de suas necessidades? É claro que não.

Por exemplo, podemos sentir que uma criatura apresenta certas carências. No entanto, as suas dificuldades são decorrentes sabe de quê? Em muitos casos, da utilização inadvertida de valores que ela dispunha ou porque simplesmente tripudiou deles por um período, quem sabe, de dez, quinze ou vinte anos no passado. Não pode? E o que buscamos com nossa ajuda? Resolver esse problema de forma instantânea. E não é por aí.

Nós teremos um dia condições de chegar perto de alguém que está com problema na perna e dizer para ele: “Você vai andar!”. Nós vamos dispor dessa prerrogativa. E isso não sou eu que estou dizendo, porque eu posso ser muita coisa, mas louco não sou. Foi Jesus quem falou. Mas nós podemos fazer isso agora? De forma alguma.

Às vezes, a espiritualidade superior coloca uma pessoa sem andar durante dez anos para ela não fazer bobagem. E com dois anos a gente quer colocá-la de pé? Pense comigo. Tem lógica a gente fazer andar agora quem não pode estar andando? A gente a coloca para andar e ela começa a aprontar. Quem você acha que vai ser o responsável?

Não podemos impedir o outro de crescer

É preciso uma observação tranquila da nossa parte para que, em nome de um ideal ou da manifestação do melhor dos sentimentos, nós não venhamos a agir por capricho pessoal. A nossa ação não pode violentar ou impedir a caminhada de ninguém.

Porque cada individualidade, sem exceção, possui os seus enigmas e transporta consigo questões essenciais e necessidades intransferíveis. Cada qual tem as suas contas a acertar com a justiça do eterno e não devemos contrariar os desígnios superiores. Está acompanhando o raciocínio? A extensão do problema do outro depende, obviamente, da necessidade dele e não dos pensamentos e propostas de quem quer ajudar.

Pode acontecer de uma pessoa estar exercendo aquilo que para ela é amor, e que no seu entendimento vai possibilitar ao recebedor sustentação e, no fundo, estar impedindo a criatura de evoluir. Às vezes ela vai ajudar do jeito que ela quer e sabe, e não como o criador propõe ajuda. E não se pode, em razão de sentimentalismo ou de ternura, prejudicar a marcha do serviço divino. Em outras palavras, a ajuda não pode desajudar.

Pode não parecer, mas está tudo debaixo da abrangência da visão superior em Deus.

E nós ignoramos que no plano natural da vida, em certos momentos, a nossa solução para um problema alheio pode até mesmo significar colocar em risco a nossa estabilidade. Porque nós passamos a dificultar a manifestação da lei. Será que deu uma ideia?

Na hora que eu faço a prece do pai nosso para alguém, e imagine que esse alguém seja o meu maior amigo, quando chega a parte do “seja feita a vossa vontade” ela significa o quê? Que eu tenho vontade que ele sorria, que ele esteja bem, porém não posso querer que a minha solicitação se sobreponha ou venha a torpedear ou impedir a manifestação do pensamento divino quanto ao que é melhor para ele. Percebeu?

Não há dor sem razão, e não há efeito sem causa. Daí, vamos investir o que pudermos em favor de quem está precisando. Apenas evitemos a postura que muita gente adota que é aquela de querer resolver o problema dos outros. Cooperar sempre, mas com a ótica clareada, sem nos antecipar à justiça divina e sem criar situações que invalidem a lei.

Conclusão

Quantas vezes a gente percebe a necessidade básica do semelhante, possui os instrumentos para ele e temos que nos calar? Porque o processo não é resolver a dificuldade da pessoa, tirá-la da dificuldade. Já aprendemos isso, dificuldade é instrumento para fazer crescer. Tentar resolver o problema do outro, se você ainda não aprendeu, vai aprender: é utopia. Por isso, até para ajudar o próximo é preciso ter cuidado.

O estudo do evangelho tem como uma das finalidades sensibilizar nosso coração relativamente às pessoas. Só que o âmbito do assunto é extenso, e em nome de nossa adesão ao evangelho não podemos largar a nossa vida, o nosso piso de evolução, para ficarmos por conta dos problemas alheios. Então, não coloque o próximo como a razão de sua vida.

É natural que a gente dê parcelas de nosso esforço em favor de terceiros e queira a eles o que nos causa bem. No entanto, por causa dessa premissa, de querer levar para os outros aquilo que é bom para nós, temos entrado em cada fria e em cada desajuste que não é fácil. Adianta querermos ficar dando uma de papai do céu, resolvendo o caso de todo mundo e, ao mesmo tempo, descuidando da nossa própria proposta?

Eu, particularmente, levei muito tempo para aprender, e nós estamos custando a entender uma grande verdade. E sabe qual é? Temos buscado ajudar o semelhante, mas nem sempre vamos poder ajudá-lo na dimensão em que nós imaginamos. Nem sempre vamos conseguir ajudar quem queremos e, muito menos, da forma que queremos.

Outra coisa interessante: nada de insistir para tirar uma criatura que não está preparada para isso. Não vamos querer depressa o que Deus está esperando acontecer. Não adianta atropelarmos o mecanismo evolucional. Isso é precipitação, e precipitando acontecimentos as situações não são alcançadas. Podemos complicar a jornada da criatura e, ao mesmo tempo, criar um processo complicado para colhermos amanhã.

Não queremos dizer que não se deve fazer o bem. De forma alguma. Apenas é preciso saber fazer para que essa ação não se torne um laço de tropeço para quem faz. Geralmente isso ocorre quando a vaidade e a presunção ditam as normas e impulsionam o coração, e esse coração voluntarioso interfere de forma indevida. Para se ter ideia, é por esse caminho que muitos pais mutilam emocionalmente os seus filhos.

Existe um plano de auxílio. Mas também tem que existir sobriedade e paciência. Se de um lado nós não devemos menosprezar o auxílio, do outro não devemos viciar a proteção.

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