A caridade – Parte 11

A essência da caridade I

Introdução

Um casal de uma cidade grande passeia por uma cidadezinha do interior. Um lugar bem pobre. Um lugarejo, como se costuma dizer. Elegantes, em certo momento descem do carro luxuoso em que estão e começam a caminhar por uma estradinha de terra, quando se deparam com um menino descalço no caminho. Um morador da região. Cabeça baixa, roupinha simples e sujo de poeira, que ao avistá-los fala ao homem bem vestido:

– Moço, me dá um trocado?

– Quê isso, menino. Sai pra lá!

– Ô moço, só um trocado. É que eu estou com fome. Só um trocado, pra eu comprar um pão na venda do seu João.

– Sai pra lá, menino! Já falei. Não tenho dinheiro não!

– Eduardo Alberto (diz a esposa, a essa altura indignada com a insensibilidade do marido), para com isso! Não vê que o menino está com fome? Dá logo um trocado pra ele!

O homem enfia a mão no bolso da calça, remexe os dedos e tira de lá algumas moedas.

– Toma, menino!

Aí eu pergunto, a nível de esclarecimento: nesse caso, houve caridade? O que você acha? A resposta é simples e acho que nem é preciso pensar muito. Não! De modo algum. Caridade é que não houve.

Veja bem, nós já entendemos que caridade é o amor na sua faixa de aplicação. Certo? Daí, o indivíduo deu, mas a caridade não circulou. Porquê? Porque a vibração do amor não se manifestou. Não é difícil observar que ele deu apenas para ficar livre. Então, o que ocorreu? Houve apenas uma transferência de valores, nada mais que isso.

E acontece demais. Para se ter ideia, tem muita gente que soma os pães que dá aos outros: “Este ano eu dei cento e trinta e dois pães”. Às vezes, não deu nenhum efetivamente. Percebeu? A pessoa dá a esmola no sinal de trânsito, dá o pedaço de pão na esquina, mas faz com má vontade. Dá para ficar livre da presença ou coisa parecida e a caridade não circula. De onde é possível concluir que em muitos casos o indivíduo pode ter feito algo em favor de alguém a vida inteira e não ter sido caridoso um dia sequer.

Aliás, é comum nós darmos de um lado e desativarmos de outro. E se bobear, até ofertando um presente nós podemos estar dando somente a manifestação da nossa vaidade.

A matéria é instrumento didático

Nossa percepção acerca da necessidade alheia ainda é periférica, e mantemos uma ótica de acentuada expressão exterior. Para nós, o carente é aquele que está precisando de roupa, precisando de comida, precisando disso ou daquilo, e achamos que amor é sair distribuindo coisas para os pobres. Que basta isso para estarmos bem com Deus.

É óbvio que não devemos deixar essa percepção exterior se perder, porém são variáveis os pontos de carência e necessidade do ser. É comum a gente achar que a transferência de um componente tangível que ofertamos representa a efetiva doação para alguém, quando no fundo esse componente não representa o valor transferido. Em outras palavras, o valor material transferido é apenas o condutor da essência canalizada.

Deu pra acompanhar ou complicou? Andei falando grego aqui? Fique tranquilo, que vai clarear.

O que é preciso é saber separar o que é o componente material da beneficência com o que é a essência da caridade, que é sutil. Separar o instrumento didático, que funciona como veículo, da essencialidade. Porque para que a caridade se manifeste nós temos que pegar a sua essência, que é vibracional, e transferi-la por meio do pão, por meio de uma roupa, de um dinheiro, de um conselho, de um abraço e daí por diante.

Então, o dinheiro que se passa é instrumento didático, o prato de comida que se dá é instrumento, a informação que damos para alguém, tudo isso é instrumento. Não é a essencialidade. Toda a ação nossa no dia a dia, digamos assim, é instrumentalidade didática.

Às vezes, a pessoa vem com o dinheiro e o dinheiro não é a caridade. Com o pão dado é a mesma coisa. Esses dois componentes usados como exemplo representam instrumentos canalizadores da caridade. Vão servir para direcionar a caridade que na essência não é material. Vão ser apenas os instrumentos usados para transferir a essência que é a vibração do amor manifestada naquele ato. Ficou claro agora?

O dinheiro e o pão, entre tantos outros, não são os elementos de sustentação finalística e, sim, os elementos canalizadores do amor, os componentes que vão ser usados para levarem a essencialidade. É só guardar o seguinte: a forma é instrumento didático para transferir algo. De forma que o amor manifestado, que é a essência, vai ser transferido através do dinheiro, do pão, de um abraço, de um conselho, de uma roupa, etc.

A essência da caridade

Está dando pra notar como o assunto é mais abrangente do que parece? Daí, a gente depreende que é preciso deixar essa ideia de trabalhar só na periferia. Todas as vezes que buscamos exercitar o bem de fora para dentro não deixa de ser um bem, todavia podemos classifica-lo, sem exagero, de meio bem. A caridade tem que circular nesse instrumento.

A expressão do amor ocorre não por um processo de valores tangíveis, mas por irradiação. Ok? Isso é fundamental de ser entendido, e bem entendido. O lance não é o cobertor que você doou. O recado é o sentimento que você teve, a vibração que você emitiu.

A função da caridade material

Se formos analisar bem, o que a esmola faz? Ela trabalha a intimidade do ser. A prática do bem exterior é ensinamento e apelo para que cheguemos à prática do bem interior. É instrumento operacional que condiciona nossa tendência à solidariedade e ao amor.

Quando eu noto que não tenho a sensibilidade para atender o necessitado na carência ou na fome que ele apresenta, seja de qual natureza for, ao me engajar em uma campanha eu começo a me adestrar de forma gradativa no campo da solidariedade.

Por isso, nas relações pessoais o pedido de providência material é oportuno. Faz parte do movimento de trocas na engrenagem da vida. É por aí que se dá o começo, afinal quem não exercita em dar alguma coisa dificilmente chegará um dia a doar-se. Mas um detalhe interessante: as obras da caridade material só alcançam a feição divina quando proporcionam a espiritualização do cooperador, renovando-lhe os valores íntimos.

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