A inconformação
Identificando João Batista
“E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.” Romanos 12:12
Você já assistiu algum filme sobre a vida de Jesus, ou pelo menos o início dele? Se já, com certeza deve ter notado que João Batista é aquele personagem austero, de jeito rude, pouco conversa e inconformado, o que, aliás, é a parte que nos interessa neste estudo. Sem receio algum, podemos afirmar que ele é o inconformado dentro da gente.
Porque não é possível sair de um ponto de carência e necessidade e entrar em um território de abundância, como disse o Cristo (“Eu vim para que tenham vida e a tenham com abundância”), sem passar pelo campo transitório da inconformação.
Se pensarmos bem, de certa forma estamos aqui por causa da inconformação. E dizemos mais, iniciamos os estudos do evangelho e procuramos mudar porque estamos inconformados. Inconformados com o sistema de vida que estamos levando, com a maneira que estamos vivendo, com a forma pela qual estamos interagindo com a vida, inconformados com a resposta que estamos recebendo, e daí por diante.
Inconformação é positiva e necessária
E graças a Deus que estamos inconformados. Porque não se assuste com o que eu vou dizer, mas a vida é para os inconformados, pelo menos a melhor parte dela.
A inconformação é um componente altamente positivo, necessário e fundamental. Propõe a melhoria do ser e o seu papel é de indução, de impulsão do mecanismo evolutivo. Sem ela não há crescimento. Se pararmos de gerar inconformação a nossa evolução para.
Você espera crescer sem se inconformar? Se sim, esqueça, porque na base de todo progresso existe uma inconformação íntima que dita a mudança. Ela é aquela área de intermediação entre um estado de carência e um outro melhor com base no suprimento.
Significa a falta de conformação ou de resignação, consiste na não aceitação de um estado, de uma circunstância ou situação. Denota uma contrariedade. Chega para nos falar de uma dificuldade que nós identificamos e tem a finalidade de nos projetar para novas bases, novos lances, novas faixas, novos patamares.
Sempre buscando
Sabe para quem o evangelho chega? Para quem está saturado, quem está muito cansado de palmilhar aqueles territórios que estão superados pela sua individualidade.
De forma que não tem jeito. Quem está matriculado no plano do crescimento espiritual e no propósito de melhoria e aperfeiçoamento não pode ficar conformado consigo próprio. Ele tem sempre que estar buscando alguma coisa. E é esse buscar alguma coisa que define a linha que se estende e motiva a faixa operacional dele. Constantemente nós temos que estar envolvidos em novos desafios, novas conquistas e num plano de constante melhoria.
Não podemos atingir aquela posição finalística de que estamos bem, que estamos realizados, chegamos e podemos parar. Não dá. Sabe por quê? Porque se pararmos, as leis que vigoram no universo ficam suscetíveis de nos alcançar em algum momento.
Imagine o seguinte: um indivíduo alcançou determinada conquista como uma resposta natural das lutas que ele implementou. Ele batalhou, trabalhou, dedicou e conquistou. Agora, vamos imaginar que depois dessa conquista ele foi visitado por uma linha de certa apatia, de certa inanição. Ele parou na conquista obtida. Sabe o que pode acontecer? Ele pode simplesmente se assentar numa linha de conquista que é suscetível de ser retirada. E sabe por quê? Porque o ponto básico da evolução do ser em bases de segurança não pode coadunar-se com o estacionamento.
Será que deu uma ideia? Pessoa alguma consegue manter no rosto um sorriso continuado de satisfação em cima de uma conquista ou realização que está estagnada, sela ela qual for. Não dá para se rejubilar indefinidamente por aquilo que está conquistado. Afinal, sempre chega um momento em que aquilo que ela possui ou realizou fica gasto, superado e saturado no espaço e no tempo. Aquilo pode se tornar uma coisa ultrapassada.
Isso é fato. Todo aquele que se encontra satisfeito em plano finalístico está parado na evolução. Então, o importante é se rejubilar pela oportunidade que se abre a cada minuto. Sempre tem que vigorar dentro da criatura o grito da consciência para a evolução.
O problema é a inconformação sistemática
Vamos deixar claro uma coisa: quando a gente fala que o indivíduo não pode se manter conformado com ele próprio nós não estamos de forma alguma levantando a tese do inconformismo. Entendeu? Por favor, não confunda. Estamos nos referindo à Inconformação no sentido de não parar, de não estagnar. Precisamos ficar atentos a essa questão.
A inconformação tem que fazer o seu papel no mecanismo do progresso, que é despertar uma nova disposição, e pronto. Temos que passar por ela, aproveitá-la e avançarmos.
O que não podemos é nos estancar nela. Ela não pode, em hipótese alguma, tomar conta da nossa estrutura íntima. Não pode mandar no nosso eu. Sendo assim, quando esse processo é trabalhado positivamente conforme as leis superiores, sabe o que ocorre? Nós crescemos. Saímos dele na busca por um padrão melhor e evoluímos. Seguimos em frente, motivados, dispostos, progredindo, crescendo, evoluindo.
Por isso, é importante entender que de forma alguma a inconformação é uma abominação. Muito pelo contrário. Ela se torna uma abominação, ou uma expressão acentuadamente negativa, quando é cultivada dentro de um plano sistematizado. Ou seja, quando ela surge, o superconsciente aponta alguma coisa, mas o ego fica resistindo.
É preciso saber distinguir a inconformação positiva, que se manifesta de forma sutil, daquela inconformação totalmente negativa que apresenta na sua intimidade uma linha de revolta ou resistência.
Ficou claro? Porque uma coisa é o indivíduo ficar inconformado e usar essa inconformação para se lançar, e outra coisa bem diferente é ele eleger uma inconformação complicada, que é como permanecer estacionado debaixo de um plano de rebeldia.
Se ela surge e não avançamos, se não tomamos medidas e, ao contrário, nos colocamos na postura de inconformados com a vida que estamos levando, com as dificuldades e os problemas que surgem; se damos campo a ela no sentido de que tudo está ruim, que eu não aguento a minha família ou coisas desse tipo, daí a pouco nos tornamos pessoas revoltadas. E venhamos e convenhamos, muita gente cultiva esse tipo negativo de inconformação.
Os inconformados
Tem pessoa que é muito inconformada. Não tem? Nunca está satisfeita com nada. Está trabalhando, o que queria é estar na praia. Foi pra praia, reclama que o calor está demais. Voltou da praia, reclama que o salário está baixo. Aumentou o salário, o problema agora é o chefe. O chefe foi trocado e agora é outro, reclama do colega. Muda de religião, muda de mulher, muda de marido. Muda disso, muda daquilo, muda de casa. Muda para os Estados Unidos, volta pra cá. E fica assim, vive com a inconformação dentro de si.
Milhões de pessoas estão dentro desse barco imenso dos inconformados. Desse tipo negativo de inconformação que, por sua vez, é o primeiro passo para a instauração da revolta.
Então, vez por outra eu tenho que fazer uma análise. Se surgiu um incômodo, se eu estou desconfortável, se estou inconformado, já é o primeiro indício. É uma dica que eu preciso parar um pouco e analisar. Porque se eu começo a lançar sistematicamente a inconformação no plano diário das minhas manifestações, eu me torno uma pessoa difícil.
E um dos pontos mais complicados que temos vivido nas nossas experiências é esse contato com uma pessoa inconformada. É duro viver com gente assim. Tem que ter muita paciência, porque ninguém aguenta. Ela é um poço de reclamação, irrita-se com muita facilidade. Tudo é motivo para ela se chatear e aborrecer. Chega, e onde chega esquenta a cabeça de qualquer um. Não sabe viver sem reclamar, não está satisfeita com nada.
A pessoa mal chega no local de trabalho e já diz: “Que calor! Ai, meu Deus, que calor! Não estou aguentando!” Não passa muito tempo e a ladainha continua: “Nossa, que calor!” O dia passou e ela falou umas quarenta vezes “que calor”. Puxa vida, ou ela aprende a conviver, a se relacionar com a questão, ou procura algo que possa minorar esse calor.
Então, é preciso avaliar. Para melhorarmos a caminhada precisamos deixar de reclamar tanto, de reclamar do mundo, reclamar das coisas. A inconformação é um caminho para a revolta, sem contar que um coração magoado ou inconformado muitas vezes culmina nos quadros dolorosos de infelicidade, criminalidade, obsessão e loucura.
Forma velada
Eu não estou exagerando. A inconformação tem estado presente e tem sido um dos fatores mais ameaçadores da estabilidade de vida de muita gente. Ela chega ao ponto de lesar as estruturas que mantém o equilíbrio físico e psíquico. A criatura muitas vezes vai cultivando, cultivando e daí a pouco está apresentando certos problemas, se vê envolta em uma situação desconfortável, resultado do que cultivou na intimidade da alma.
Para se ter uma ideia, grande parte dos desajustes de ordem psicológica, daquelas enfermidades catalogadas ao nível das chamadas psicopatias, são decorrentes de uma inconformação embutida. Você já pensou nisso? O indivíduo não pode fazer aquilo que queria, não pode ter aquilo que queria, operar com aquilo que gostaria.
Olha para ele e não se percebe nada. No plano ético e social parece que ele está tranquilo.
Aparentemente, não manifesta nada negativamente. Tudo normal. Visto de fora, está uma beleza, denota estar perfeitamente conformado e ajustado com a sua realidade. Todavia, lá na intimidade, naquela área inacessível às percepções externas, pode haver um vulcão em erupção, um componente forte e profundo de intranquilidade chamado inconformidade, que com o tempo acaba se tornando um desastre na vida de qualquer pessoa.
Isso surge tantas vezes de maneira velada. A criatura nem sempre manifesta esse comportamento de uma forma ostensiva ou objetiva. Esse padrão não é identificado de maneira nítida.
Geralmente, a pessoa nem fala em inconformação. Isso mesmo, ela não usa a expressão “inconformação”, não diz que está inconformada. Ela fala “não me conformo”. Percebeu? Exatamente para não perder a linha do conformar. Ela diz assim: “Eu vivo bem, aguento as paradas, passo os meus apertos, mas não me conformo. Não me conformo com esse trabalho, não me conformo com o fato de não ter isso, de não ter conseguido aquilo. Não me conformo com um filho assim, não me conformo com esse problema de família,…” E vai tecendo o rosário, e haja inconformação.