Que ele cresça e eu diminua
Aparece no deserto
“É necessário que ele cresça e que eu diminua.” João 3:30
O evangelho é claro: João Batista aparece no deserto, unicamente nesse ambiente. Como ele é o inconformado dentro da gente, que chega para nos propor mudança, não existe razão para surgir em outro lugar. Ele não aparece para quem está na praia do reconforto, para aquele que se encontra satisfeito e com a despensa abastecida.
Quem não se acha no deserto da intimidade não se sente identificado com o chamamento e a inquietude manifestada por ele.
Basta observar que o clamor é o reflexo da inconformação, surge em razão desta. E mais, é a inconformação que faz a criatura clamar, é a presença no deserto que gera o clamor.
Outro ponto interessante é que nós não temos que nos preocupar com o seu nascimento, porque ele “aparece” dentro da gente. Isso é algo fundamental de ser entendido, ponto básico para o que vem pela frente.
Conseguiu notar o significado do verbo aparecer? João Batista surge e se evidencia quando nos reconhecemos no deserto, o identificamos quando já se faz presente. Não o vemos chegando e nem de onde veio. Ele simplesmente surge, aparece dentro de nós originado por um estado de indignação ou abandono.
E com o tempo devemos substituir, de forma gradativa, a sua presença pela capacidade realizadora com o Cristo. Este, sim, temos que fazer nascer de forma consciente em nós.
Atitudes e identificação
Vamos dar um exemplo para clarear alguma coisa? Imagine três pessoas de um determinado grupo religioso. Combinaram entre si fazer no domingo uma visita a meninos de uma creche e programaram encontrar na porta do grupo que frequentam.
O primeiro veio porque alguém telefonou para ele:
– E aí, você vem?
Ele não ia vir. Não queria. O que queria era atender um programa que surgiu de improviso. Mas abriu mão e veio. Desanimado, mas veio. Fez uma espécie de meio sacrifício.
O segundo, nem se fala, veio no sacrifício total. E antes de vir ainda comentou com alguém:
– Caramba, onde é que eu estava com a cabeça? Por que fui assumir esse compromisso? Mas eu não posso voltar atrás agora. Não posso agir de forma diferente dos outros. Vontade não estou, mas se eu falei que ia, tenho que ir. Tenho que mostrar que estou firme no propósito.
Veio amarrado, desanimado, mas também veio. Ficou claro que veio debaixo do total regime de sacrifício. Veio debaixo da tutela da responsabilidade e do amor próprio dele. A bem da verdade, é o amor próprio que o está movimentando nessa linha de ação.
O terceiro, sim, veio disposto, alegre, radiante. Veio com todo entusiasmo e dedicação, e ainda por cima preparou uma sacola com lanches e brinquedos para distribuir.
Daí, a gente nota três tipos diferentes. Basicamente três faixas de atuação que dizem respeito ao que vigora no coração das pessoas.
O primeiro é uma mistura de João Batista com Jesus, sendo cinquenta por cento pra lá e cinquenta por cento pra cá. O segundo nem João Batista é ainda, só Deus é que sabe. Esse está com Moisés, alicerçado na base da justiça. E o terceiro, debaixo da pauta da espontaneidade e da misericórdia, já é capaz de fazer em nome do Cristo.
O grau de sacrifício e de misericórdia manifestado pelas pessoas é acentuadamente diferente. Na maioria das vezes, agindo sob o parâmetro da justiça somos João Batista, porque não somos Jesus cem por cento. Aliás, não somos nem de longe. Mas já começamos a pensar em outro nível quando ficamos na dúvida, começamos a visualizar nova linha quando nos identificamos presentes no meio do deserto.
Que eu diminua
Precisamos abrir o coração e desbloquear as tomadas complicadas e negativas, acabar com as ondas mentais que revoltam o nosso ambiente e nos colocam em situações conflitantes e nebulosas. Saber identificar nosso grau de inconformação dentro dos acontecimentos, o que temos e o que não podemos ter ainda, o que podemos fazer e o que nos é lícito, bem como o que é conveniente e o que não é bom para nós. Identificar onde podemos chegar e onde nós não devemos chegar.
É necessário cuidado com as situações transitórias. Saber avaliar a maneira como agimos nos momentos difíceis que vez por outra surgem em nosso caminho, exatamente para que eles não paralisem os voos da nossa alma e não percamos as oportunidades.
Entender que podemos estar vivendo situações de inconformação por falta de equilíbrio interior ou até mesmo por falta de uma iniciativa nossa.
Por outro lado, damos passos seguros na medida em que desativamos a inconformação e que se torna mais sutil e menos ostensiva a sua manifestação. Quando aprendemos a agir com os instrumentos e recursos que temos disponíveis. Isso é sinal de maturidade.
Agora, preste atenção no que vamos dizer. Jesus é a luz do mundo. Sabemos disso. E o discípulo é o irradiador dessa luz. E para que esse discípulo irradie luz, o que ele tem que fazer? Tem que diminuir-se para que o Cristo apareça. Logo, o que tem que crescer dentro de nós? O Cristo íntimo, a expressão crística. É necessário que o Cristo cresça e que João Batista diminua. Está dando para acompanhar? É fundamental sermos humildes no reconhecimento da nossa pequenez.
Essa busca pelo Cristo, essa ânsia de deixá-lo crescer em nossa intimidade, resultante do desejo de bem estar íntimo, tem sido o grande desafio que nos visita na atualidade.
E para que o êxito se dê, a inconformação, passo inicial do crescimento, tem que ser gradualmente desativada, ao mesmo tempo em que temos que fortificar um sistema de conformação no que se refere à aplicação dos novos preceitos assimilados. Em outras palavras, tem que diminuir nossa inconformação e, de forma simultânea, crescer o nosso trabalho em conformidade com os preceitos que o Cristo nos orienta.
O padrão comportamental que vigora em nossa vida precisa ter sua manifestação reduzida para ceder lugar ao padrão novo que nos chega pela informação e que vai ter que se solidificar.
Precisamos permitir que a vivência do evangelho cresça em nós e que os nossos velhos conceitos tenham a sua manifestação reduzida. Diminuir aos poucos a nossa forma antiga de agir para podermos adotar atitudes com base nos caracteres novos que assimilamos, sabendo que quando o Cristo cresce em nós conseguimos usufruir desse crescimento.
Como resultado, o início das nossas atividades no campo aplicativo do bem vai representar o objetivo finalístico proposto pela pregação. Deixa de ser João Batista pregando para se tornar o Cristo realizando, não mais o chamado da justiça, mas a vivência efetiva do amor.