O cego de Jericó

Trilogia
“46Depois, foram para Jericó. E, saindo ele de Jericó com seus discípulos e uma grande multidão, Bartimeu, o cego, filho de Timeu, estava assentado junto do caminho, mendigando.” Marcos 10:46
Essa passagem tem uma importância considerável. Para se ter ideia, o evangelista Marcos fez questão de mencionar o nome do cego (Bartimeu) e o de seu pai (Timeu).
E como estava o cego inicialmente? O texto afirma que ele estava “assentado, junto do caminho, mendigando”, três aspectos relevantes que não podem passar em branco.
O primeiro é assentado. Então, vamos pensar. Nós nos assentamos para quê? Para nos acomodar. Concorda? Quem assenta se acomoda, se aquieta, relaxa, valendo a pena lembrar que estamos nos referindo ao sentido intrínseco, que é o que nos interessa.
“Assentado” é referência à acomodação mental, em que a criatura encontra-se em posição de inoperância frente aos imperativos de trabalho de edificação da vida imortal.
No mundo de correria em que vivemos, deparamos com pessoas de todas as idades, lugares e níveis sociais envoltas nas mais diversas atividades. Estão trabalhando e correndo para não se atrasarem nos compromissos profissionais, movimentando de tudo quanto é jeito, participando de uma enormidade de eventos, fazendo aulas de dança, praticando esportes, frequentando cursos disso e daquilo, mas que estão assentadas no que reporta à busca de elevação nos aspectos espirituais.
O segundo ponto é que ele não estava no caminho. Estava junto do caminho. É diferente, afinal estar junto é estar próximo, mas não é estar efetivamente.
Ele estava assentado. Quem está assentado está parado, inerte, e caminho não comporta acomodação. Pelo contrário, propõe movimento. E caminho é Jesus (“eu sou o caminho”), o que denota que ele estava à margem da verdadeira estrada de edificação. Estava próximo, mas fora dos valores espirituais. De algum modo, estava fora de foco.
No entanto, tem uma coisa positiva aí. Junto do caminho, ou à beira do caminho, significa próximo. Indica uma postura pessoal de querer se desvincular do ambiente menos feliz. Mostra que ele começava a deslumbrar ou perceber uma nova claridade.
O identificamos preso aos planos de retaguarda, porém já se abrindo para a vida mais abrangente e o amor na sua grandiosidade. Não enxergava, todavia queria luz.
A proximidade o fazia sentir os primeiros raios do sol. E as linhas perceptivas de sua personalidade, evidenciadas pela vontade firme, lhe fizeram ir de encontro à luz maior.
Quanto ao terceiro ponto, “mendigando”, vamos depreender quase que naturalmente à frente.
O cego somos nós
Por não existir efeito sem causa, nada acontece por acaso. Daí, essa cegueira era decorrente de quê? Da sua cristalização naquele ambiente, da permanência constante naquele campo vibracional de materialidade reinante que oblitera a capacidade visual.
E o interessante é que ao estudar essa passagem a gente nem precisa pensar muito para perceber que o cego não é Bartimeu ontem, somos nós agora. Vamos nos identificando com esse personagem extraordinário e sentindo que em certos momentos estamos estudando a nossa própria realidade, analisando a nossa vida de hoje.
O cego que vivia da esmola e da caridade das pessoas tem uma mensagem mais profunda do que parece. Revela as nossas dificuldades de visão no campo da alma.
Afinal, mendigar é pedir esmolas, não é? E o mendigo oferece alguma coisa à vida? Não. Posicionado como pedinte, não oferece nada. É mero recebedor de recursos.
Se você pensar bem, os recursos materiais e os valores amoedados que o mundo oferece são verdadeiras esmolas diante das bênçãos incomensuráveis estendidas pela misericórdia na infinita dimensão do espírito, quando insistimos em nos manter fora do caminho, assentados e dissociados da linha do amor.
Agora, compete a cada qual avaliar, individualmente, que tipo de cego é no que se refere aos valores essenciais. Se trata-se de uma cegueira resultante apenas do desconhecimento ou, se mais complexa, é uma consequência das ações menos felizes praticadas através dos tempos com base na condição egocêntrica ou egoística.
À margem
No plano físico, ou fora dele, em diversas ocasiões somos esse mendigo às margens da estrada. A vida nos chama, o conhecimento nos visita o entendimento, as circunstâncias nos solicitam a colaboração aqui e ali, mas permanecemos inertes e indecisos.
A conclusão não pode ser outra: para atingirmos um novo patamar precisamos constatar que o terreno em que estamos não dá mais, está saturado e não nos atende aos anseios.
Porque muitos companheiros à nossa volta não querem abandonar o patamar em que se encontram. Ou seja, querer até querem, só que ficam naquele querer da boca pra fora. Ficam em cima do muro. Aliás, esse caminho regenerativo, todo ele, tem as suas margens ocupadas de indivíduos que estão próximos, porém sem a coragem e determinação de fazer. Fazem planos, prometem, reafirmam compromissos e não realizam nada.
Apegados demais ao plano material e tangível das coisas, e sem a disposição de vencerem a si mesmos e se aperfeiçoarem, desconsideram o lado espiritual e ficam assentados, sem marchar para a realização elevada que nos compete na jornada.