O mundo e as atribulações
Avanços periféricos e insatisfação
A ciência elevou a matéria ao apogeu de todas as glórias. Invenções e inovações, em todas as áreas que dizem respeito ao bem material e lisonjeiam os sentidos, surpreendem-nos cada vez mais. A cada dia que passa arranha-céus, cada um mais alto e imponente que o outro, são erguidos, distâncias entre os países são encurtadas e os povos de todos os cantos do mundo se comunicam com a rapidez do pensamento.
E tudo acontece de forma muita rápida. O planeta não para de evoluir e essa evolução joga muita coisa para nós no campo do reconforto. Você compra um celular hoje, ou qualquer produto de alta tecnologia, e antes do final do ano um modelo mais avançado já surgiu, mais bonito, menor ou maior, com mais recurso, funcionalidade e praticidade.
No entanto, já reparou que apesar desse enorme avanço tecnológico ainda somos periodicamente visitados por situações que nos ocasionam desconforto na intimidade da alma?
O mundo, apressado, caminha para o seu esplendor, no entanto falta tanta coisa. O relógio do invisível, incansável, parece girar mais rápido e as pessoas continuam sentindo os velhos espinhos criando dificuldades e ansiedades, vivendo tantas vezes distantes de um componente chamado felicidade, harmonia e segurança.
A ciência não mede esforços para resolver os grandes problemas e satisfazer as aspirações humanas, todavia os valores que oferece visam nos propiciar um reconforto no âmbito de fora para dentro. A impressão que dá é que nós avançamos perifericamente e o íntimo, que é onde se alicerça a ventura legítima, fica de fora deixando a desejar.
O mundo está sofrendo
Embora as tecnologias e comodidades do dia a dia, com toda a sinceridade nós não estamos tendo condição de usufruir tudo isso cem por cento. Não tem jeito. Se prestarmos atenção direitinho, vamos ver que no fundo não existe um usufruto muito tranquilo disso tudo. A não ser que a pessoa seja indiferente. Tem muita gente indiferente. O mundo está caindo em torno dela e ela não está nem aí. Não está incomodada.
Aliás, quem está usufruindo mesmo é quem está desligado. Quem não está nem aí pra nada, só querendo curtir a vida, o que nem sempre é sinônimo de um usufruto adequado e bem aproveitado.
E sabe por quê não está dando para aproveitar tanto? Porque o mundo está sofrendo. Sofrendo muito. A época atual não está fácil para ninguém. Não dá para desconsiderar que vivemos um período conturbado. Longe de querer dramatizar, existe um mundo chorando à nossa volta.
Você acha que eu estou exagerando? Não é difícil constatar que todos os ambientes, do mais próximo aos mais distantes de nós, passam por lutas e necessidades.
Basta olhar as pessoas à volta. Gritos inaudíveis e pedidos de ajuda, imperceptíveis para a maioria das pessoas, constantemente são sentidos e chegam ao coração de quem ama, exteriorizados pela expressão de desencorajamento e desespero nos semblantes.
Eu não sei se você consegue fazer essa observação. Com um pouco de atenção é possível perceber o que se passa e qual é o ponto ou tônica que vigora em uma individualidade. A experiência vai nos dando a condição de avaliar o que um rosto reflete. Eu digo rosto porque ele é a história de cada um. É através dele que a pessoa expressa o que sente. É ele que retrata o que está no coração. Especialmente os olhos.
Em toda parte encontramos pessoas entristecidas, cabisbaixas, curvadas, de olhares abatidos. Agoniadas sem motivo ou exaustas sem razão aparente, transitam pelos consultórios e recorrem a casas religiosas suplicando prodígios. Não raro, isolam-se na inutilidade, choram de tédio e confessam desconhecer a causa dos males que as acometem. Muitas consideram-se vítimas e clamam de forma infundada contra o meio em que vivem, deslocando a mente do caminho superior e atirando-se nos despenhadeiros da sombra.
Laboratório experimental
Eu me lembro que em certa ocasião, coisa de muitos anos atrás, quando convidado para falar de uma passagem do evangelho em um grupo religioso, uma senhora que me precedeu, simpática por sinal, começou dizendo em sua explanação: “Calamidades. Nós vivemos em um mundo de calamidades!” Confesso a você que apesar de bem intencionada ela falou bobagem. Isso mesmo. Falou o que não sabia.
Embora seja uma tendência natural de muitas pessoas, não podemos ficar nessa de abominar o mundo, de amaldiçoar o ambiente que nos acolhe. É só analisar um pouco. Precisamos dele. Não dá para vivermos dissociados das contingências do mundo.
Mesmo com todo o seu conflito, ele é o nosso laboratório experimental. Representa exatamente o processo operacional para nós. Precisamos dos seus valores para edificarmos nosso crescimento.
Então, não o abomine. Porque se o fizer, você não tem matéria prima, não tem campo e nem condições de evoluir. Deu para entender? É aqui no globo terrestre que edificamos as bases sólidas de nossa ventura. Sem ele não há material para trabalho. Não há como obter uma evolução efetiva distanciado dos valores tangíveis. Nossa capacidade realizadora não pode se processar em cima de um plano subjetivo, etéreo, não há como evoluir servindo aos anjos.
Seja sincero, o que é que você acha? Tem faltado campo de trabalho? De forma alguma. Não falta.
Isso a gente demora para descobrir. E mesmo depois que descobre a gente fica meio preocupado, porque não tem tanta experiência, estamos aprendendo agora.
O processo não consiste em alterar o contexto do mundo. É saber aproveitar. É óbvio que muitos companheiros não estão aproveitando as oportunidades. Pelo contrário, estão se valendo desse momento tumultuado para entrar com os dois pés nas dificuldades complicando ainda mais o destino. Todavia, enquanto isso nós podemos dar passos avantajados, representando no fritar dos ovos verdadeiros saltos nas estruturas de vida que nos têm sido abertas no momento.
Podemos ter chances inimagináveis de ação, e muitos inclusive estão sendo convocados a se valerem desse momento que representa um verdadeiro laboratório de compreensão, ajuda e auxílio.
Como podemos nos dizer felizes, do fundo do coração, se vemos tantos irmãos à nossa volta chorarem? Até quando vamos conviver com essa indiferença de ver o sofrimento alheio grassando em nossa órbita e fingir que isso não nos diz respeito e não é problema nosso?
Não podemos permanecer alienados, a ponto de desconsiderar que a dor e a necessidade, a tristeza e a doença, a pobreza e a morte não se encontram longe de nós.
Nosso espírito suplica uma réstia de amor, e em torno a humanidade aguarda a manifestação da nossa capacidade de amar. Venhamos e convenhamos, além de nossos muros felizes há muito trabalho por fazer.
Logo, para melhorarmos na caminhada vamos deixar de reclamar do mundo, de reclamar das coisas. Não adianta nada e só complica mais a situação. Além do que, ele continua em perfeito equilíbrio diante das leis imutáveis e perfeitas que nos regem.
Ser feliz no tormento
Para todos nós que já temos uma linha traçada de sensibilização, há uma série de coisas para mudarmos. O ajuste é importante. Procuremos ficar tranquilos e nos ajustar ao mundo, nos adaptar às situações que se apresentam, sem nos curvarmos a elas.
Não acredito que haja alguém que não medite ou comente vez por outra sobre o fato de que os momentos atuais estão muito pressionados ou sobrecarregados. Lidamos num território em que é preciso realizar em um mundo complicado. No entanto, precisamos aprender a não ceder à pressão. Temos que viver compreendendo e servindo dentro do impacto do sobrepeso do momento. Quem não quiser viver os atropelos vai ter que mudar de posição, porque a tendência é ampliar os parâmetros das oportunidades que se nos abrem.
Além do que, não se esqueça que um caminhão, um navio e um avião não foram criados para andar vazios. Nossa vida também anda melhor, e vai mais longe, quando ela anda carregada.